O campo teve lugar na Peace Station (Rauhanasema), uma ex-estação de comboio com muitos anos e muita história, que não foi originalmente construída em Pasila mas que foi transportada para lá posteriormente, e em que funcionam hoje várias organizações que trabalham para a Paz a vários níveis, sendo uma delas a KVT, que organizou este campo. Quando cheguei, fui conhecendo ao longo do dia o resto das voluntárias que iam viver comigo durante os 10 dias seguintes. Os outros voluntários eram refugiados/asylum seekers e viviam perto, então não ficaram a dormir connosco na estação. Só os conheci no segundo dia. Vínhamos de 10 países diferentes ao todo – Finlândia, Portugal, Espanha, Rússia, República Checa, Japão, Iraque, Afeganistão, Congo e Uganda. E havia mais duas voluntárias portuguesas que eu não fazia ideia que iam!
O campo dividiu-se em duas tarefas/actividades principais: restaurar as cadeiras e mesas da estação, que tinham mais de 30 anos, e os workshops de macramê e craftivism dados pelos Concreatives, o colectivo de artistas que colaborou connosco durante o campo, com o objectivo de criar uma peça de street art em macramê com o tema da Paz para expor junto à estação. Além disso, visitámos imensos sítios incríveis em grupo – a que dificilmente chegaria se estivesse a viajar sozinha – e conhecemos ainda mais pessoas da KVT que nos falaram sobre peace work e que nos fizeram partilhar e debater algumas ideias sobre o tema.
Senti que foi um pouquinho difícil quebrar o gelo no início porque o grupo com quem ia ficar a ”morar” na Peace Station eram só raparigas e eram todas um pouco tímidas. Eu considero que sou uma ”tímida ao contrário”: sou muito extrovertida, falo logo muito e noto que isso também é um mecanismo de defesa meu, por não me sentir confortável com o silêncio ou com o desconforto dos outros. Em relação ao resto dos voluntários, alguns nem falavam inglês, então como tinha uma grande expectativa de criar um espírito de grupo muito forte desde o início, senti-me um bocadinho deslocada nos primeiros dias. Para mim é importante contar isto porque acho que todas estas coisas são experiências e fazem parte do que é fazer voluntariado – às vezes encontramos pessoas que são diferentes de nós ou tínhamos alguma expectativa que não é logo correspondida ou que às vezes não é correspondida de todo. Mas isso não faz mal nenhum – aliás, todas as experiências são aprendizagens e o mais importante é concentrarmo-nos em trabalhar o melhor possível e fazer o que podemos para ultrapassar estas situações e/ou as eventuais diferenças que notemos entre as pessoas. E como era esperado, esta sensação de desconforto acabou por desaparecer naturalmente.
Um dos dias mais especiais e de que me lembro com mais saudades foi um dia mais ou menos a meio do campo, em que depois do trabalho do dia fomos a Lapinlahden Lahde – uma espécie de LxFactory de Helsínquia junto ao mar que antes era um hospital psiquiátrico e agora é mais ou menos um centro artístico – tem uma cafetaria vegan, vários espaços para artistas que os queiram alugar e usar como atelier/espaço para expor, um museu que reúne algumas peças e memórias do hospital e estão abertos para receber todo e qualquer projecto artístico ou de voluntariado. Como todo e qualquer espaço na Finlândia, tem também uma sauna (sim, a Peace Station também tinha!) e depois de lá irmos, fizemos um churrasco ao pé do mar e ainda fomos até à praia passear e fazer jogos. Estivemos lá até às 11h da noite (que lá ainda são ”da tarde”) e estava um ambiente incrível entre todos, rimos mais do que falámos e foi quando comecei a ter mais pena dos dias estarem a passar tão rápido!
Algures durante o campo fizemos um workshop com o tema da migração/interculturalidade, em que nos dividimos em três grupos: cada um tinha de criar uma aldeia em barro, com várias casas e estruturas, seguindo instruções e regras diferentes sobre a forma das casas, a distância entre elas, símbolos, comportamentos dos habitantes, etc. A meio do jogo, um dos membros de cada aldeia tinha que mover a sua casa para outra aldeia e tentar adaptar-se às suas regras, enquanto os habitantes locais tinham de se esforçar por integrá-lo; isso passava por exemplo por ter de adaptar as formas da casas, os símbolos que representavam cada aldeia/habitante, etc. Foi muito giro ver como cada grupo reagiu a esta segunda parte e as mudanças que se geraram no jogo, todas positivas apesar das circunstâncias. Por um lado é tudo simbólico, mas por outro é um exercício curioso e importante que nos faz procurar mais formas de receber sem discriminar, de integrar sem nos impormos, e que ainda agora me faz pensar.
O campo tinha um objectivo final comum, prático, mas fez com que conseguíssemos uma coisa que transcendeu esse objectivo; foi um veículo para que nos conhecêssemos melhor, aprendêssemos mais uns sobre os outros, sobre as nossas histórias pessoais e contextos culturais, quem somos e como é que fomos ali parar. Foi um exercício de partilha e aprendizagem sobre a Paz – vivê-la para conseguir transmiti-la, e aprender a transmiti-la através de uma forma específica de arte. No final do campo decorámos algumas cancelas junto à Peace Station e também alguns postes com a palavra ”Peace”. Só tive pena que não tivéssemos conseguido criar e expor ainda mais, mas o tempo não estica e a chuva nem sempre foi nossa amiga… Mas acredito muito na arte e no artesanato como formas de activismo e de transmitir mensagens e ideias e este campo motivou-me muito a trazer para ”casa” tudo o que aprendi e a por isso em prática na minha cidade e comunidade – o que aprendi a fazer e o que aprendi a pensar.

De repente, estás a conviver diariamente com pessoas de 10 países diferentes e isso é motivo de alegria, de celebração, de partilha e de amor. É motivo de curiosidade e não de hostilidade. E percebes que as pessoas (e ”as pessoas” também sou eu) precisam disto, de ter menos pena, menos medo e ter mais consideração, mais empatia. Mais amor. E dás por ti a ficar amiga de pessoas com quem mal falaste por não saberem bem inglês, mas percebes que com o coração aberto e boa vontade, o inglês não é assim tão importante. Como um dos voluntários disse quando o campo acabou, ”I couldn’t speak your language but I totally understood you by heart language” (e isto disse-me o Google tradutor).